“Há um ditado italiano que diz ‘si no é vero, é bene
trovatto.’ Ou seja, há algumas histórias tão boas que não importa se são ou não
verdadeiras, pois, de certo modo, ilustram a verdade mais fielmente do que os
fatos podem fazê-lo. Conto então uma história sobre Sigmund Freud (1856-1939)
que me foi relatada por um amigo há muitos anos. Este, por seu turno, a ouviu
de uma velha senhora que teria conhecido Freud quando tinha 15 anos, quando
acompanhava sua tia a uma consulta com o famoso médico vienense. Entre as
palavras dele e este texto haveria então não mais que três intermediários, o
que não é muito se pensarmos que tal evento ocorreu, pelos meus cálculos, entre
1920 e 1925.
Meu amigo assinava o contrato de
aluguel de um apartamento em São Paulo quando conheceu a senhora em questão.
Ao saber que ele era analista em formação, ela se apresentou em dizer que era psicóloga, tinha estudado com o psicólogo e epistemólogo suíço Jean Piaget ‘(1896-1980) e havia conhecido Freud. Segundo contou, sua tia era uma mulher muito bonita, de uns 30 anos, que já tinha procurado vários médicos devido a dores cuja causa nenhum deles havia encontrado. Com relutância, marcou uma consulta com o Dr. Freud, controverso especialista em doenças nervosas de Viena. Ao encontrar o psicanalista, declarou com impertinência sua falta de confiança na psicanálise. "Se é verdade que o senhor trata só com as palavras, isso será inútil. Não acredito que meras palavras tenham poder sobre minhas dores do corpo."
Ao saber que ele era analista em formação, ela se apresentou em dizer que era psicóloga, tinha estudado com o psicólogo e epistemólogo suíço Jean Piaget ‘(1896-1980) e havia conhecido Freud. Segundo contou, sua tia era uma mulher muito bonita, de uns 30 anos, que já tinha procurado vários médicos devido a dores cuja causa nenhum deles havia encontrado. Com relutância, marcou uma consulta com o Dr. Freud, controverso especialista em doenças nervosas de Viena. Ao encontrar o psicanalista, declarou com impertinência sua falta de confiança na psicanálise. "Se é verdade que o senhor trata só com as palavras, isso será inútil. Não acredito que meras palavras tenham poder sobre minhas dores do corpo."
O experiente médico teria se mantido
imperturbável. Perguntou sobre o que a trazia ali, quando suas dores tinham
começado, onde eram, se e quando mudavam de intensidade, quais tratamentos
tinha tentado, se tinha outros incômodos e também sobre sua vida em geral.
Quando pareceu satisfeito, iniciou um discurso um pouco surpreendente para
ambas:
"Vejo que a senhora, apesar dos males
que a afligem, é de rara beleza. Isso não deve ter lhe escapado, uma vez que,
imagino eu, não devem ser poucas as expressões de admiração e as consequentes
investidas dos cavalheiros de nossa cidade. Sua pele é de uma textura
extremamente delicada e saudável." Nisso se levantou, pegou um espelho que
mantinha pendurado no ferrolho da janela e o aproximou da dama, oferecendo a
imagem da qual falava à jovem senhora, visivelmente lisonjeada. "Observe!
Trata-se mesmo de uma beleza pouco comum, algo oriental, com grandes olhos
negros e ligeiramente oblíquos... On dirait la beauté dúne déesse égyptienne",
disse em elogio com uma espécie de apoteose ao momento sublime que aquele rosto
capturava. "Observe, minha senhora, e não se esqueça jamais desse momento. Ele
é a própria imagem do ápice da beleza feminina encarnada em um rosto
simplesmente perfeito!" Nisso, com efeito, a expressão da jovem havia se
transformado. Seus olhos brilhavam, seu rubor saudável indicava uma felicidade
vivaz e satisfeita. Ela estava simplesmente exuberante e deliciada com o que
via.
"Contudo", continuou com outro tom de
voz, "se examinarmos com cuidado, será possível notar que os primeiros sinais
da velhice já se anunciam sutilmente". "Veja bem", disse, aproximando o espelho
do olhar hesitante da jovem. "Um pequeno mas indisfarçável reticulado se
irradia dos cantos das pálpebras e dos lábios..." A angústia da moça ao
confirmar aquelas marcas as sulcava um pouco mais. Dr. Freud tinha experiência
em detectar os sinais mínimos de perturbação interior. Bastou que indicasse as
poucas irregularidades da pele para que as lágrimas brotassem dos olhos baços
da infeliz. "Talvez o que vê agora seja meramente fruto de sua aflição diante
da verdade: que nosso melhor tempo é como um só dia de sol antes de um longo
inverno da decadência contínua". Nisso, a jovem senhora já contemplava outra
imagem. Seu nariz e olhos, inchados com o choro, e a fronte, avermelhada com a
tensão, de fato, pareciam confirmar a profecia do médico. Foi então que o tom
de voz de novo mudou e assumiu um ar benevolente e carinhoso. "A senhora se
recorda do rosto divino que viu a pouco nesse mesmo espelho?" Ela acenou
afirmativamente com a cabeça, incapaz de falar. "Pois bem, minha senhora, ela
se transformou na imagem que vê agora apenas com o poder das palavras!” (De
Mente Cérebro - Psicoterapias - Vol.1 - Duetto, São Paulo/2010). As palavras enriquecem, empobrecem,
provocam conflitos, aproximam pessoas, curam...
by Geraldinho Farias, leitor e colecionador de Mente &
Cerebro
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