terça-feira, 29 de maio de 2018

MINISTÉRIO “CTL C+CTL V”

Há exatos 20 anos quando fui consagrado ao Santo Ministério da Palavra de Deus, achava que ser pastor não era pra qualquer um, era apenas para “uns” (Ef 4.11ss). Era algo muito alto, nobre, supra. Havia uma certa reverência para com os pastores; nos referíamos com certo decoro, liturgia ao nomear alguém com tal título. Por absoluta misericórdia e graça de Deus que me chamou e confirmou em minha vida a vocação, em 30 de maio de 1998 fui consagrado ao Ministério.

Compartilho algumas ponderações sobre o cenário que vivemos, fruto de observações “míopes” na altura destas duas décadas:

Condução e Acompanhamento Era mais usual um pastor acompanhar de perto, qual pai-filho um vocacionado. Era comum que as igrejas investissem em todos os aspectos. A vocação era da conta da igreja afinal, até mesmo financeiramente investia nos estudos do seminarista. Hoje não há despertamento de vocacionados. É muito raro reconhecer uma caminhada íntima entre pastor-igreja local-vocacionado-escola de Teologia. Há aparente fragmentação e distanciamento.

Via e vejo com preocupação o seminarista “solto” ou “avulso”. Uma excrescência. Se não há compromissos partilhados, logo, diminui-se a margem para que hajam participação e envolvimento com a obra da igreja local. E isso é perigoso. E um sem-número de instituições flexibilizaram as pré-condições para admissão de seminaristas...

Equívocos  na  Gênese Cansei de ouvir vocações que aconteciam como um padrão na ruptura de uma carreira profissional, como se essa conspirasse necessariamente contra aquela. O sujeito vinha de carreira próspera numa oficina, numa corporação e, descobre-se vocacionado rompendo com sua realidade, sendo que esta, quase sempre será seu suprimento e apoio para a sua vida de servo. E essa do cara que chega no Seminário narrando uma tensão entre uma carreira acadêmica, profissional ou técnica, apoiada sob entusiasmo de religiosos que celebram a ruptura, é que está na raiz do problema da manutenção (ou falta desta) na vida de muitos pastores hoje em dia. Se não fui claro: O vocacionado afirma que foi chamado durante seu Curso de Direito ou Administração, sai dele e vai para o Seminário estudar Teologia. Eis a multidão de não-formados ou de-formados profissionalmente com dificuldades para se manter e à sua família. (Voltarei a essa prosa lá na frente.)

Então: Foi convencionado que vocação combina com um discurso dramático de quem teve a coragem de deixar na metade um curso ou carreira em nome do Pai! Que coragem deste|desta, deixou de ser um bem-sucedido profissional e optou por atender ao chamado de Deus! Ora, poderá ser que isso aconteça na vida de muitos mas... Isso ser um padrão decantado, é simplesmente questionável! Parece que o pastorado só combina com alienados e gente despreparada cientificamente e profissionalmente... Ora, pois!

Escolas e Cursos Ante as exigências de um cenário com cada vez mais demandas e desafios, sob mutação constante e célere, numa sociedade pós-cristã, ao invés dos cursos serem mais aprofundados, ao contrário, são mais sintéticos; quando o período de preparação devesse ser mais extenso, denso e científico, do contrário, são “dietéticos”, curtos – quando não instantâneos – ou à distância. Eis o flagrante e escandaloso paradoxo: Para tempos difíceis, preparos rápidos e superficiais!

Sempre reclamei nas escolas em que tive a oportunidade de ensinar de uma vivência “de igreja”. Pela natureza da vocação, ambiente espirituoso, o aluno é visto como "membro de igreja" num curso “de igreja”. Não estou dizendo que não deva ser, se isso não significasse uma relação paternalista ao extremo, cujos pedais parece que não devam ser apertados. As exigências são menos, digamos, científicas. O Ministério Pastoral reserva as mais diversas crises e obstáculos e, nós, muitas vezes, facilitamos para o estudante. E me incluo nesta engrenagem em mais de 20 anos de sala de aula. Mesmo considerando que um percentual dos alunos já chegam com uma carreira estudantil precária ou incompleta, ver o Ministério como algo divino – e devemos considerá-lo, e a avaliação vocacional algo subjetivo, retira o aluno de obrigações técnicas e exigências acadêmicas. O que não contribui para seu crescimento. O curso via "pastos verdejantes e águas tranquilas" só acontece em Casas de Profetas. Em qualquer outro ambiente o aluno será estimulado à aprender e aprofundar. Aí vem o Concílio...

Concílio  Não entendo como há um sem número de usuários de títulos de pastor sem qualquer experiência ou interesse no Ministério. Desfilam e exibem um “pr.” antecedendo o nome mas... Jamais militaram no ministério pastoral propriamente dito. Cabe ressaltar que o pastorado implica um rebanho e, um rebanho, implica um pastorado. Portanto, não entendo como há um sem número de jovens encaminhados a um Concílio e que não sabem PARA QUE ESTÃO NO PROCESSO DE CONSAGRAÇÃO. Muitos serão pastores no sentido de usuários do título, sem liderar um rebanho. (E não estou me referindo a pastores que circunstancialmente não estão militando, mas que amanhã o farão).

Concílios que mais parecem compadrio. Lembro de um concílio em que fui advertido por um amigo ao observar minha inquirição: “Deste jeito ele não será aprovado”. Apenas fazia perguntas protocolares sobre a doutrina e assistia a um candidato com dificuldades de exposição e raciocínio lógico. Percebi que, de fato, estava sendo um empecilho para o mesmo em tomar-lhe lições básicas de Teologia. Claro, me senti um intruso e uma ameaça aos pares que concordavam em entregar uma pessoa despreparada à consagração.

E nesta superficialidade do curso e carícias de pastores numa ovelha-aspirante ao ministério que reside o analfabetismo teológico e denominacional. Processos rasos resultam em soldados-rasos.

Muitos destes encontros servem para que o pastor da igreja use de seu prestígio e consiga aprovar indivíduos sem o mínimo de equilíbrio emocional, experiência ministerial e preparo acadêmico. Sim, porque o Concílio é, antes de tudo, um julgamento sobre a capacidade de quem o convoca em prover obreiros de qualidade.

Tenho a impressão que baixamos o sarrafo, o teto. Dá a impressão – diferente do que achei há 20 anos que o acesso é muito democrático, que ser pastor já não implica os filtros e rigores de outrora... Imagino como foi difícil pra mim, mas... É tão fácil para muitos hoje em dia! Estou falando de um período cuja pesquisa era resultado de horas numa Biblioteca folheando obras de referências; e não havia Google, Ctrl V + Ctrl C...

Monografias E chegamos ao produto intelectual dos vocacionados. O que vemos é escandaloso: Textos sem criatividade, sem pesquisa. Parece cópias ao estilo Ctrl V + Ctrl C; algumas seguem exatamente o mesmo roteiro, os mesmos parágrafos. Raríssimas as exceções: No afã de não profissionalizar demais, promovemos uma preguiça institucional. E, das etapas do Concílio, pasmem, esta é a mais fácil, afinal, o aspirante apenas deverá seguir as normas da ABNT, relevando as normas científicas.

Ao receber este material e compará-lo aos arquivos que tenho, fico sob êxtase do dilema: Se são quase todas neste padrão, o errado sou eu em querer algo mais alto, melhor; ou, me insurjo contra o sistema, exijo o mínimo e desisto de participar – porque nesta etapa poucos, pouquíssimos prosseguirão!

Retração e Estagnação Aí chegamos ao desdobramento da (de)formação dos ministros: Em qualquer região do país ao mensurar uma pesquisa razoável, veremos que aquela metodologia que nos fez chegar até aqui inexiste: A visitação estratégia e o ajuntamento de pessoas gerou um ponto de pregação, que a posteriori gerou uma congregação e, que tempos depois, gerou uma igreja com participação e auto-sustentável. Isso não acontece mais. Igrejas país à fora (ou a dentro) estão investindo na multiplicação de grupos pequenos o que significa uma retração na organização de novas igrejas. Nalgumas regiões há o mesmo de igrejas organizadas que na última década. Some-se a isso a divisão de muitas igrejas fruto da adoção de metodologias de crescimento que conspiraram contra a adesão denominacional.

É a informalização sobre a formalização. Logo, é de se perguntar se haverá grupos que consigam o desejável suprimento da família do pastor. Continuo então o parágrafo acima sobre Equívocos na Gênese. Em médio prazo não existirá mais o ministério na categoria “integral”. Causa-me espanto que haja seminaristas ou vocacionados em Concílio na expectativa de ter o suprimento e provisão de suas famílias advindas de igrejas organizadas.

Ora, desfaça esse nó: De um lado, estudantes de Teologia que irão ao ministério sem formação profissional; Do outro, retração de igrejas organizadas. Daquele lado, a linha de produção não para. Já deste...

(É esse retrato que fez com que a CBESP iniciasse o Projeto Josué – uma idéia dos céus, necessária de revitalização de igrejas e qualificação|sustento|mentoria de obreiros através de igrejas adotantes. Mas uma providência que ataca efeitos simplesmente porque o ciclo não fecha: Mais obreiros sem profissão, proliferação de igrejas pequenas que não conseguem se manter, crise financeira etc.)

Para Pensar:

Sobre a condução do aspirante. Que aja pelo menos uma década entre a conversão do candidato ao Ministério até aquela etapa do Concílio. Período de formação na igreja – envolvimento direto no serviço e liderança; curso de Teologia, de preferência aqueles legitimados como “formação mínima”; período de estágio – após o curso, haja um acompanhamento do pastor|igreja para que se mostre maturidade comprovada do candidato, somada à presença do pastor e candidato na realidade da denominação – Associação, Convenções etc. (Sim, porque o distanciamento de quem apresenta o obreiro pode ser indicio de que o apresentado seguirá o padrão.)

Sobre os equívocos na gênese. Que não se admita no processo candidato que não possua credenciais ou habilitação de se manter profissionalmente. Ou, que seja parte do processo uma formação técnica, graduação ou algo que ateste que o indivíduo possa manter sua família ou, minimamente complementar a renda que porventura obtenha no ministério, na eventualidade de precisar “fazer tendas”. Que nós, professores, já desfaça  expectativas. (Vou além: Sabe aquela esposa do pastor, “bela, recatada e do lar”, regente de coro e líder das mulheres??? Pois é: Conclua você mesmo! De tão raro, Ministério Pastoral Integral será verbete do Google...

Sobre as escolas e os cursos. Cada região deveria impor um limite, uma lista de cursos que, avaliadas suas cargas-horárias, sua grade curricular e ênfases, bem como o conteúdo, legitime o processo. Avaliamos candidatos de cursos livres à distância de 1 ano e de cursos de bacharelato reconhecidos pelo MEC de 4 anos... Quais os parâmetros???

Concílios. Me desacostumei a concílios com a presença de 25, 30 pastores. Parece que virou regra a presença dos mínimos 7! Já propus nos lugares que passei que se façam as “datas-Fifas”. Seriam dois encontros no ano divididos em cada semestre onde todos os associados da Ordem participariam analisando todos os candidatos das igrejas nestas ocasiões. O que favoreceria concílios como os de outrora – 10 horas de exame, à exaustão, sobre a isenção de todos! E no modelo OAB: Exame escrito, interpretativo, pregação, simulacro de aconselhamento... De maneira que dure à altura da finalidade, afinal, "machado adiado corra melhor".

Monografias. Por favor, haja um orientador para a Monografia – do jeito que está, até a Escola do candidato está em cheque. Sim, um trabalho monográfico de acordo com as normas do trabalho científico submeterá a escola e formação também em avaliação. Logo, interessa as escolas e aos professores diretamente que entreguem um aspirante “afiado” na pesquisa e no resultado, ora, pois.

Retração e estagnação. Esse ciclo merece uma análise mais profunda que este espaço oferece, ou, noutro momento compartilharei sobre o ciclo aqui exposto.

Evidente que não há a pretensão de esgotar o assunto. São aspectos complexos. Mas, ousei na altura dos meus 20 anos de consagração tecer apontamentos sobre.

Participei de processos cujos resultados foram mais prestígio e honra para o Ministério Pastoral: Vocacionados com a experiência do serviço, do caráter submisso, da liderança piedosa, foram aprovados num Concílio que apenas confirmou o chamado de Deus e, hoje, frutificam em igrejas com ministérios prósperos. Esses, gratas exceções.

Esses são modestos apontamentos como um “mea culpa” de alguém que é parte do processo. É fato que pastores novos são desinteressados pela Denominação. E isso é só a ponta do iceberg. Nas instâncias denominacionais não há espaço para novos líderes, à margem do carreirismo de muitos que simplesmente não oxigenam ambientes, não inovam, não investem em novos modelos de gestão. E neste ciclo, cá com meus botões, pergunto-me: Aumentar filtros, afunilar avaliações e qualificar o ritual de encaminhamento deveria melhorar a qualidade daqueles que são chamados.

Algo precisa ser feito para evitar a multiplicação de ministros “Ctrl C + Ctrl V”. E isso envolve a Ordem dos Pastores, Associação de Igrejas, Escolas de Teologia etc. Diante da quantidade de concílios, será que estamos elevando a iniciação de tão augusta atividade? “Pois ele mesmo deu uns para pastores-mestres” – não deu todos; não deu muitos: Deu alguns, apenas “uns”. By Geraldinho Farias

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Meu caríssimo paroquiano, Geraldinho Farias (Pastor): concordo em grau gênero e número! Sou do tempo da roda quadrada (rsrs); para frequentar o curso teológico, havia alguns pré-requisitos, entre os quais, alguns anos de "convertido", atestado de idoneidade e CARTA DE RECOMENDAÇÃO DO PASTOR DA IGREJA. Por questão econômica dispensei o patrocínio da igreja (eu tinha condições de bancar o curso), abrindo oportunidade para que a igreja custeasse outro seminarista. O púlpito da igreja foi-me franqueado para expor a Palavra e mesmo tempo ser "avaliado" pelos ouvintes; recebi muitos incentivo: entre os quais, preparar uma congregação para o devido concílio. Passei por um concílio dramático e por isso, tive que repeti-lo, pela misericórdia de Deus, fui aprovado. Como pastor durante 18 anos, sofri dois infartos do miocárdio (IAM), inclusive com parada cardíaca. Ainda estou vivo, apesar de jubilado. O resto o colega sabe. Abel Pereira de Oliveira (Pr.)

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