Há exatos 20 anos quando fui consagrado ao Santo Ministério da Palavra de Deus, achava que ser pastor não era pra qualquer um, era apenas para “uns” (Ef 4.11ss). Era algo muito alto, nobre, supra. Havia uma certa reverência para com os pastores; nos referíamos com certo decoro, liturgia ao nomear alguém com tal título. Por absoluta misericórdia e graça de Deus que me chamou e confirmou em minha vida a vocação, em 30 de maio de 1998 fui consagrado ao Ministério.
Compartilho algumas ponderações sobre o cenário que vivemos, fruto de
observações “míopes” na altura destas duas décadas:
Condução e Acompanhamento Era mais usual um pastor acompanhar de
perto, qual pai-filho um vocacionado. Era comum que as igrejas investissem em
todos os aspectos. A vocação era da conta da igreja afinal, até mesmo
financeiramente investia nos estudos do seminarista. Hoje não há despertamento
de vocacionados. É muito raro reconhecer uma caminhada íntima entre
pastor-igreja local-vocacionado-escola de Teologia. Há aparente fragmentação e
distanciamento.
Via e vejo com preocupação o seminarista “solto” ou “avulso”. Uma
excrescência. Se não há compromissos partilhados, logo, diminui-se a margem
para que hajam participação e envolvimento com a obra da igreja local. E isso é
perigoso. E um sem-número de instituições flexibilizaram as pré-condições para
admissão de seminaristas...
Equívocos na Gênese Cansei de ouvir vocações que
aconteciam como um padrão na ruptura de uma carreira profissional, como se essa
conspirasse necessariamente contra aquela. O sujeito vinha de carreira próspera
numa oficina, numa corporação e, descobre-se vocacionado rompendo com sua
realidade, sendo que esta, quase sempre será seu suprimento e apoio para a sua
vida de servo. E essa do cara que chega no Seminário narrando uma tensão entre
uma carreira acadêmica, profissional ou técnica, apoiada sob entusiasmo de
religiosos que celebram a ruptura, é que está na raiz do problema da manutenção
(ou falta desta) na vida de muitos pastores hoje em dia. Se não fui claro: O
vocacionado afirma que foi chamado durante seu Curso de Direito ou
Administração, sai dele e vai para o Seminário estudar Teologia. Eis a multidão
de não-formados ou de-formados profissionalmente com dificuldades para se
manter e à sua família. (Voltarei a essa prosa lá na frente.)
Então: Foi convencionado que vocação combina com um discurso dramático
de quem teve a coragem de deixar na metade um curso ou carreira em nome do Pai!
Que coragem deste|desta, deixou de ser um bem-sucedido profissional e optou por
atender ao chamado de Deus! Ora, poderá ser que isso aconteça na vida de muitos
mas... Isso ser um padrão decantado, é simplesmente questionável! Parece que o
pastorado só combina com alienados e gente despreparada cientificamente e
profissionalmente... Ora, pois!
Escolas e Cursos Ante as exigências de um cenário com cada vez mais
demandas e desafios, sob mutação constante e célere, numa sociedade pós-cristã,
ao invés dos cursos serem mais aprofundados, ao contrário, são mais sintéticos;
quando o período de preparação devesse ser mais extenso, denso e científico, do
contrário, são “dietéticos”, curtos – quando não instantâneos – ou à distância.
Eis o flagrante e escandaloso paradoxo: Para tempos difíceis, preparos rápidos
e superficiais!
Sempre reclamei nas escolas em que tive a oportunidade de ensinar de uma
vivência “de igreja”. Pela natureza da vocação, ambiente espirituoso, o aluno é
visto como "membro de igreja" num curso “de igreja”. Não estou
dizendo que não deva ser, se isso não significasse uma relação paternalista ao
extremo, cujos pedais parece que não devam ser apertados. As exigências são
menos, digamos, científicas. O Ministério Pastoral reserva as mais diversas
crises e obstáculos e, nós, muitas vezes, facilitamos para o estudante. E me
incluo nesta engrenagem em mais de 20 anos de sala de aula. Mesmo considerando
que um percentual dos alunos já chegam com uma carreira estudantil precária ou
incompleta, ver o Ministério como algo divino – e devemos considerá-lo, e a
avaliação vocacional algo subjetivo, retira o aluno de obrigações técnicas e
exigências acadêmicas. O que não contribui para seu crescimento. O curso via
"pastos verdejantes e águas tranquilas" só acontece em Casas de
Profetas. Em qualquer outro ambiente o aluno será estimulado à aprender e aprofundar.
Aí vem o Concílio...
Concílio Não entendo como há um sem número de usuários de títulos
de pastor sem qualquer experiência ou interesse no Ministério. Desfilam e
exibem um “pr.” antecedendo o nome mas... Jamais militaram no ministério
pastoral propriamente dito. Cabe ressaltar que o pastorado implica um rebanho
e, um rebanho, implica um pastorado. Portanto, não entendo como há um sem
número de jovens encaminhados a um Concílio e que não sabem PARA QUE ESTÃO NO
PROCESSO DE CONSAGRAÇÃO. Muitos serão pastores no sentido de usuários do
título, sem liderar um rebanho. (E não estou me referindo a pastores que
circunstancialmente não estão militando, mas que amanhã o farão).
Concílios que mais parecem compadrio. Lembro de um concílio em que fui
advertido por um amigo ao observar minha inquirição: “Deste jeito ele não será
aprovado”. Apenas fazia perguntas protocolares sobre a doutrina e assistia a um
candidato com dificuldades de exposição e raciocínio lógico. Percebi que, de
fato, estava sendo um empecilho para o mesmo em tomar-lhe lições básicas de
Teologia. Claro, me senti um intruso e uma ameaça aos pares que concordavam em
entregar uma pessoa despreparada à consagração.
E nesta superficialidade do curso e carícias de pastores numa
ovelha-aspirante ao ministério que reside o analfabetismo teológico e
denominacional. Processos rasos resultam em soldados-rasos.
Muitos destes encontros servem para que o pastor da igreja use de seu
prestígio e consiga aprovar indivíduos sem o mínimo de equilíbrio emocional,
experiência ministerial e preparo acadêmico. Sim, porque o Concílio é, antes de
tudo, um julgamento sobre a capacidade de quem o convoca em prover obreiros de
qualidade.
Tenho a impressão que baixamos o sarrafo, o teto. Dá a impressão –
diferente do que achei há 20 anos que o acesso é muito democrático, que ser
pastor já não implica os filtros e rigores de outrora... Imagino como foi
difícil pra mim, mas... É tão fácil para muitos hoje em dia! Estou falando de
um período cuja pesquisa era resultado de horas numa Biblioteca folheando obras
de referências; e não havia Google, Ctrl V + Ctrl C...
Monografias E chegamos ao produto intelectual dos vocacionados. O
que vemos é escandaloso: Textos sem criatividade, sem pesquisa. Parece cópias
ao estilo Ctrl V + Ctrl C; algumas seguem exatamente o mesmo roteiro, os mesmos
parágrafos. Raríssimas as exceções: No afã de não profissionalizar demais,
promovemos uma preguiça institucional. E, das etapas do Concílio, pasmem, esta
é a mais fácil, afinal, o aspirante apenas deverá seguir as normas da ABNT,
relevando as normas científicas.
Ao receber este material e compará-lo aos arquivos que tenho, fico sob
êxtase do dilema: Se são quase todas neste padrão, o errado sou eu em querer
algo mais alto, melhor; ou, me insurjo contra o sistema, exijo o mínimo e
desisto de participar – porque nesta etapa poucos, pouquíssimos prosseguirão!
Retração e Estagnação Aí chegamos ao desdobramento da (de)formação
dos ministros: Em qualquer região do país ao mensurar uma pesquisa razoável,
veremos que aquela metodologia que nos fez chegar até aqui inexiste: A
visitação estratégia e o ajuntamento de pessoas gerou um ponto de pregação, que
a posteriori gerou uma congregação e, que tempos depois, gerou uma igreja com
participação e auto-sustentável. Isso não acontece mais. Igrejas país à fora
(ou a dentro) estão investindo na multiplicação de grupos pequenos o que
significa uma retração na organização de novas igrejas. Nalgumas regiões há o
mesmo de igrejas organizadas que na última década. Some-se a isso a divisão de
muitas igrejas fruto da adoção de metodologias de crescimento que conspiraram
contra a adesão denominacional.
É a informalização sobre a formalização. Logo, é de se perguntar se
haverá grupos que consigam o desejável suprimento da família do pastor.
Continuo então o parágrafo acima sobre Equívocos na Gênese. Em médio prazo não
existirá mais o ministério na categoria “integral”. Causa-me espanto que haja
seminaristas ou vocacionados em Concílio na expectativa de ter o suprimento e
provisão de suas famílias advindas de igrejas organizadas.
Ora, desfaça esse nó: De um lado, estudantes de Teologia que irão ao
ministério sem formação profissional; Do outro, retração de igrejas
organizadas. Daquele lado, a linha de produção não para. Já deste...
(É esse retrato que fez com que a CBESP iniciasse o Projeto Josué – uma
idéia dos céus, necessária de revitalização de igrejas e
qualificação|sustento|mentoria de obreiros através de igrejas adotantes. Mas
uma providência que ataca efeitos simplesmente porque o ciclo não fecha: Mais
obreiros sem profissão, proliferação de igrejas pequenas que não conseguem se
manter, crise financeira etc.)
Para Pensar:
Sobre a condução do aspirante. Que aja pelo menos uma década entre a
conversão do candidato ao Ministério até aquela etapa do Concílio. Período de
formação na igreja – envolvimento direto no serviço e liderança; curso de
Teologia, de preferência aqueles legitimados como “formação mínima”; período de
estágio – após o curso, haja um acompanhamento do pastor|igreja para que se
mostre maturidade comprovada do candidato, somada à presença do pastor e
candidato na realidade da denominação – Associação, Convenções etc. (Sim,
porque o distanciamento de quem apresenta o obreiro pode ser indicio de que o
apresentado seguirá o padrão.)
Sobre os equívocos na gênese. Que não se admita no processo candidato
que não possua credenciais ou habilitação de se manter profissionalmente. Ou,
que seja parte do processo uma formação técnica, graduação ou algo que ateste
que o indivíduo possa manter sua família ou, minimamente complementar a renda
que porventura obtenha no ministério, na eventualidade de precisar “fazer
tendas”. Que nós, professores, já desfaça expectativas. (Vou além: Sabe
aquela esposa do pastor, “bela, recatada e do lar”, regente de coro e líder das
mulheres??? Pois é: Conclua você mesmo! De tão raro, Ministério Pastoral
Integral será verbete do Google...
Sobre as escolas e os cursos. Cada região deveria impor um limite, uma
lista de cursos que, avaliadas suas cargas-horárias, sua grade curricular e
ênfases, bem como o conteúdo, legitime o processo. Avaliamos candidatos de
cursos livres à distância de 1 ano e de cursos de bacharelato reconhecidos pelo
MEC de 4 anos... Quais os parâmetros???
Concílios. Me desacostumei a concílios com a presença de 25, 30
pastores. Parece que virou regra a presença dos mínimos 7! Já propus nos
lugares que passei que se façam as “datas-Fifas”. Seriam dois encontros no ano
divididos em cada semestre onde todos os associados da Ordem participariam analisando
todos os candidatos das igrejas nestas ocasiões. O que favoreceria concílios
como os de outrora – 10 horas de exame, à exaustão, sobre a isenção de todos! E
no modelo OAB: Exame escrito, interpretativo, pregação, simulacro de
aconselhamento... De maneira que dure à altura da finalidade, afinal,
"machado adiado corra melhor".
Monografias. Por favor, haja um orientador para a Monografia – do jeito
que está, até a Escola do candidato está em cheque. Sim, um trabalho
monográfico de acordo com as normas do trabalho científico submeterá a escola e
formação também em avaliação. Logo, interessa as escolas e aos professores
diretamente que entreguem um aspirante “afiado” na pesquisa e no resultado,
ora, pois.
Retração e estagnação. Esse ciclo merece uma análise mais profunda que
este espaço oferece, ou, noutro momento compartilharei sobre o ciclo aqui
exposto.
Evidente que não há a pretensão de esgotar o assunto. São aspectos
complexos. Mas, ousei na altura dos meus 20 anos de consagração tecer
apontamentos sobre.
Participei de processos cujos resultados foram mais prestígio e honra
para o Ministério Pastoral: Vocacionados com a experiência do serviço, do
caráter submisso, da liderança piedosa, foram aprovados num Concílio que apenas
confirmou o chamado de Deus e, hoje, frutificam em igrejas com ministérios
prósperos. Esses, gratas exceções.
Esses são modestos apontamentos como um “mea culpa” de alguém que é
parte do processo. É fato que pastores novos são desinteressados pela
Denominação. E isso é só a ponta do iceberg. Nas instâncias denominacionais
não há espaço para novos líderes, à margem do carreirismo de muitos que
simplesmente não oxigenam ambientes, não inovam, não investem em novos modelos
de gestão. E neste ciclo, cá com meus botões, pergunto-me: Aumentar filtros,
afunilar avaliações e qualificar o ritual de encaminhamento deveria melhorar a
qualidade daqueles que são chamados.
Algo precisa ser feito para evitar a multiplicação de ministros “Ctrl C
+ Ctrl V”. E isso envolve a Ordem dos Pastores, Associação de Igrejas, Escolas
de Teologia etc. Diante da quantidade de concílios, será que estamos elevando a
iniciação de tão augusta atividade? “Pois ele mesmo deu uns para
pastores-mestres” – não deu todos; não deu muitos: Deu alguns, apenas “uns”. By
Geraldinho Farias
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ResponderExcluirMeu caríssimo paroquiano, Geraldinho Farias (Pastor): concordo em grau gênero e número! Sou do tempo da roda quadrada (rsrs); para frequentar o curso teológico, havia alguns pré-requisitos, entre os quais, alguns anos de "convertido", atestado de idoneidade e CARTA DE RECOMENDAÇÃO DO PASTOR DA IGREJA. Por questão econômica dispensei o patrocínio da igreja (eu tinha condições de bancar o curso), abrindo oportunidade para que a igreja custeasse outro seminarista. O púlpito da igreja foi-me franqueado para expor a Palavra e mesmo tempo ser "avaliado" pelos ouvintes; recebi muitos incentivo: entre os quais, preparar uma congregação para o devido concílio. Passei por um concílio dramático e por isso, tive que repeti-lo, pela misericórdia de Deus, fui aprovado. Como pastor durante 18 anos, sofri dois infartos do miocárdio (IAM), inclusive com parada cardíaca. Ainda estou vivo, apesar de jubilado. O resto o colega sabe. Abel Pereira de Oliveira (Pr.)
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