sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A "CRENTOLÂNDIA" E A SAÚDE MENTAL

Os Poderosos filhos e filhas do Dono do Mundo: "Tudo posso...", Fp 4.13
Ainda é comum a ideia de que somos super-santos. Pastores e líderes convivem – aceitam a expectativa que fazem deles figuras canônicas – a ideia de serem personalidades intocáveis, “acima” da humanidade ou fora “da ordem”.

Cansei de ouvir em ambientes universitários que treinam ou capacitam obreiros que vocacionados não devem ter amigos, não devem confiar em qualquer um; que o isolamento é conduta sábia, que assegura a pureza e blás e blás. A figura mítica do
vocacionado, portanto, é um indivíduo solitário. Esse lero é convencionado em ambientes acadêmicos de estudos de teologia e liderança.

Com raríssimas exceções a ideia de que as doenças psíquicas são “do diabo” ou que o indivíduo enfermo é um "fraco na fé” ainda persiste – pasmem, apesar do acesso à informação que temos. Essas ideias são presentes em comunidades pentecostais, mas, ainda sobrevivem em muitas igrejas de classe média-baixa ou em ambientes de confissão histórico-protestante.

Um psicólogo é “concorrente” do ministro; ao saber que sua ovelha se inscreveu para um processo terapêutico, é comum algumas reações: O paciente crente esconde que vai à Clínica; se compartilha é alertado que isso conspira contra sua fé; ou, é estigmatizado como alguém que está com déficit de conhecimento bíblico.

Com um psiquiatra a tratativa é pior. Psiquiatra é médico para loucos e anormais – falácia comum nas ruas, reproduzida em ambientes religiosos. Se o indivíduo que procura um psicólogo é estigmatizado, o cliente da psiquiatria é discriminado, visto como alguém que negou a fé, "desviado" ou crente de segunda linha.

A teologia da prosperidade – a confissão positiva, as declarações veementes em chavões e clichês, vendem à sociedade a falácia de que o cristão possui blindagem contra certas dores, adoecimentos e privações. As comunidades são compostas de mulheres-maravilhas, de super-homens, homens-de-ferro e pais das meninas poderosas e similares. São da Liga da Justiça, Marvel, ou “poderosos chefinhos” que mandam no mundo, intocáveis, afinal, são filhos e filhas do Dono do Mundo.

Assim, se fizermos uma “teoria da conspiração”, concluímos que algumas doenças só dão em católicos ou incrédulos. São vírus que agem sob seleção – os escudos da fé imunizam crentes. Ou bactérias que discriminam – “neste eu consigo entrar, naquele não...” Ainda infecções que agem somente nalguns, noutros não. Adoecimento para muitos destes midas da fé é simples assim: Declara-se uma frase de efeito (“Sai, em nome de Jesus!”, “Tá amarrado”, “Eu rejeito” etc.) e pronto!

Para desfazer o mal-estar produzido por essa suposta vida supra, a tal “vida cristã”, orientar a irmã Alice onde realmente é seu país, desfazer a fantasia neo-pentecostal ou questionar a Crentolândia, alguns apontamentos são necessários:

- Líderes e pastores são gente como a gente. Suam, choram e fazem cocô e xixi como qualquer um de seus párocos; pagam contas, sentem dores, adoecem... Assumamos nossa humanidade, pelo amor do Deus que encarnou!

- Um carro possui um cano de saída das impurezas do motor. Chama-se escapamento. Somos de alguma forma uma máquina. (Não no sentido daqueles que não param de trabalhar e fazem questão de se parecerem máquinas). Precisamos de escapamento. A atividade pastoral exige que o conselheiro, ouvinte, o cuidador – diferente do que se convenciona – que ele mesmo seja aconselhado, ouvido, cuidado. O acúmulo de dramas dos outros, as expectativas e exigências a que são submetidos líderes e ministros são causa de inúmeras quedas, adoecimentos, processos depressivos. A confissão é disciplina cristã! (Tg 5.16 – confessai e orai uns pelos outros). Note a recomendação paulina: “Tem cuidado de ti e da doutrina” – primeiro o “de ti”, depois, “da doutrina”. Importante que seminários e ordens de pastores incentive o pastoreio de pastores: Grupos de ajuda, confissão, mentoria e aconselhamento. 

- O isolamento é perigoso. Não sabemos tudo e não acertamos sempre. Quem cuida necessita de cuidados. Reconhecer limites é um passo importante.

- Humanos adoecem, é um fato. A doença é uma circunstância para protestantes, incrédulos, pentecostais, espíritas... Analfabetos, universitários, doutores... Depressão, pânico e fobias são democráticos: Acometem a ricos e pobres, negros e brancos, crentes e incrédulos.

- Matar, roubar, cobiçar é pecado. E não guardar o sábado? "O diabo não descansa, eu também não", justificativa comum. Mas o problema é de organização pessoal, prioridades: O sujeito vende seu descanso em troca de aprovação. Quer mostrar produtividade ao custo da saúde. Guardar o descanso é mandamento!

- O psicólogo é um profissional da saúde que muito pode contribuir para uma vida melhor. Assim como um homem contundido procura um Ortopedista e uma mulher com problemas hormonais procura um Ginecologista, quando homens e mulheres sofrem com alguma angústia profunda, dor no íntimo ou problema em suas mentes devem procurar um... Profissional da saúde mental! Isso mesmo! Devemos usar a ciência e os cientistas pois são meios para Deus curar!

- Graças a Deus pela existência das famílias de medicamentos, criados pelo Criador – pai de toda a sabedoria e graça (Tg 1.15), e que estão a serviço de seus filhos e criaturas. Remédios são meios para aprimorar, corrigir nossa saúde! Graças a Deus pelo Lítio, Fluoxetina, Sertralina, Rivrotril e afins!

- Vá regularmente ao médico, especialmente você, homem de Deus! Siga rigorosamente as orientações do cientista. Podemos conhecer o céu, mas há uma terra pra gente viver e, não vale a pena viver nela sem saúde ou infeliz. 

O ambiente religioso é um estimulante para problemas psico-afetivos: A tensão de um conflito com outrem; culpa; desencanto; pressão. Diferente do que muitos pensam, a vivência numa igreja não é a garantia de uma vida leve, saudável e equilibrada. "Decepcionados com a Graça", Paulo Romeiro/Mundo Cristão, é uma reflexão confrontativa sobre o tema. O ambiente eclesiástico deve ser uma experiência de mutualidade onde as pessoas crescem e aplicam os princípios do cristianismo no cotidiano. O Cristo falou sobre dramas bem nossos; trocou em miúdos os temas do Seu Reino através de prosas e metáforas. Viveu simples, sem ostentações e complexidades. O Cristo é simples assim.

Na clínica de psicologia onde recebemos muitos indivíduos, casais e famílias inteiras com dores na alma, dificultadas por culturas e mitos enraizados em igrejas e sociedades religiosas e alienadoras, vemos o quanto há muito para reconhecermos uma intercessão possível entre a Religião e as Ciências da Saúde Mental. Não se trata de convidar Jesus ao divã. Não se trata de crucificar Freud. Se trata de vivermos de forma saudável. By Geraldinho Farias

2 comentários:

  1. Sensacional!
    Colocações com muita sabedoria!

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  2. Oxalá esta postagem possa alcançar muitos crente, seja Pastores e Ovelhas. O autor fala do que conhece e vivencia. E fala de forma objetiva, com clareza solar.
    Deus o abençoe para que continue assim, a exteriorizar nossas idiossincrasias, por nos acharmos melhores que outros. "Santa" soberba.

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