Este ano vai ser diferente. Vai ser o “ano do poder”. Este vai
ser o meu ano de avivamento espiritual. De ti, Senhor, não quero pouco; quero é
tudo! Quero aquele batismo que arrebenta a boca do balão; quero “dunamis”.
Poder para romper os cercos do inimigo, para derrubar muralhas, para matar
gigantes a pedrada, para encher panelas de viúvas, para ressuscitar lázaros,
para invadir casas de valentes, para declarar a vitória do Senhor sobre a
morte, o mal, a doença, a velhice, a
pobreza, a opressão e tudo o mais que,
desavisado, atravessar o meu caminho.
Chega de pobreza! Chega de impotência diante da vida. Chega de
empregos medíocres, de patrões medíocres. Chega de depressão, de filhos
desanimados, de esposa rixosa e iracunda, de idosos ranzinzas e amargurados, de
irmãos apáticos e interesseiros…
Este vai ser o ano da contrição, do joelho dobrado e do coração
quebrantado. Vai ser o ano em que buscarei me despir de todos os “poderes” que
penso ter e dos recursos que amealhei na vida, como a educação, o dinheiro, a
esperteza, a influência, os amigos poderosos, o prestígio, o cargo público etc.
Será o ano da mão estendida, que pede misericórdia, que se condói por si e
pelos outros; da alma que chora e se assenta à mesa da comunhão para ser
consolada.
Com o tempo, tomei as rédeas da vida nas mãos. Resolvi meu
futuro com uma boa poupança, minha insegurança com um financiamento da Caixa e
minha solidão com um cargo proeminente na igreja. Afastei os chatos com uma
aparência de “muito ocupado” ou de indiferença. Livrei-me de culpas,
contribuindo para instituições filantrópicas. Apoiei meus filhos e minha
esposa, financiando-lhes um analista.
Mas eu quero outro tipo de poder. Quero poder para aprender
quando admoestado. Quero um encontro sério com meus temores e fraquezas. Quero
gente comum se metendo na minha vida; quero o último recurso do fraco: a
oração.
Este ano serei menor. Se possível, o menor de todos. Vou voltar
para casa, mesmo que isso me custe o emprego ou me prejudique nos negócios. Vou
me encontrar com minha esposa e ficar muito tempo com ela e com os meus filhos.
Vou redescobrir a alegria de ouvir os meus pais, até que se cansem de falar. E
se houver outros pais os ouvirei também. Nesse tempo juntos, vamos renovar
nossa aliança e retomar nossa amizade. Entre uma cambalhota e outra, vamos
abrir a Palavra e lê-la juntos. Muito. Sobre ela, vamos falar de nós mesmos. De
coisas íntimas e caras. De coisas sobre as quais já não falamos porque não
interessam. Vamos nos confessar uns aos outros, abrindo-nos as vidas para que
nelas entre luz do céu (eu pretendo chorar muito, já vou avisando). E vamos
orar, contritos por não sermos o que nele poderíamos ser. Pediremos poder para
matar esses gigantes.
Quero voltar para a minha igreja. Chega de proximidade de
ano-luz. Já não quero essa armadura que vesti para tornar-me invulnerável ao
ataque fraterno. Descobri que com ela fiz-me também impenetrável ao seu amor.
Buscarei um retorno à amizade espiritual, com irmãos com quem possa abrir a
minha alma. Sem medo de parecer menos homem por isso. Quero tempo para aqueles
que riam à toa comigo e se alegrem na singeleza de um corinho ou de uma boa
pizza com guaraná (celebrados por nós como pão e vinho). Com eles, quero voltar
a pisar em terra santa: tirar as sandálias ao encontrar-me com Deus no espaço
de corações hospitaleiros, sinceros e amorosos. Cantaremos juntos. Um cântico
novo. Um canto de liberdade.
Senhor, este ano eu gostaria de ser “mais que vencedor”, um
leão. Mesmo que, por olhos globalizados, eu seja visto como uma ovelha para o
matadouro (Rm 8.36, 37). Rubem Amorese é escritor - Ultimato, no. 274
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