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Eugène Delacroix (1798 – 1863), O Bom
Samaritano
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(Apontamentos para a prática de Aconselhamento baseado na Parábola do Bom Samaritano) Contexto. Doutor da Lei pergunta sobre o que fazer para herdar a vida eterna. O Mestre Jesus responde com nova pergunta. Ao que o Religioso recita o mandamento sobre a totalidade das relações em amor que ligam o próximo e a si mesmo ao Sagrado - O SHeMa, o coração da Lei: Dt 6.4ss. O episódio faz com que Jesus implique a declaração, verborreia ou confissão à prática. Não basta declarar, é preciso praticar o amor a Deus que se reflete, necessariamente no outro e em si mesmo ou, que é denunciado na forma como lidamos ou amamos o outro.
O Doutor cheio de empáfia – a presunção de que já estaria apto,
afinal, conhecedor da Lei de Deus (também do Deus da Lei?) e de si mesmo,
achava-se qualificado, o que é bem diferente de aplicar, vivenciar e expressar
o amor nas relações com o outro, o seu “próximo”.
Eis a parábola elucidativa desta ligação: A história popular de
O Bom Samaritano, Lc 10.25ss, único registro no Novo Testamento.
10.30 – “Descia um homem...”. Certo homem. Um homem qualquer.
Transitava. Quem é? Qual sua origem? Como foi parar lá? Por quais razões
passava por lá? O que defendia?
“...De Jerusalém para Jericó”. É nas andanças – aqui, 28 km
aproximadamente - da vida que as circunstâncias nos impõem as mais diversas
privações, amputações, dores e assaltos: “(1) Caiu nas mãos dos salteadores, os
quais o (2) despojaram, e (3) espancando-o, (4) se retiraram, (5) deixando-o
meio morto”.
10.31 – “E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote;
e, vendo-o, passou de largo.” Certo sacerdote, o representante da Lei. Todos
podem se omitir, mas... Um religioso não... Passou à distância!
10.32 - “E de igual modo também um levita, chegando àquele
lugar, e, vendo-o, passou de largo.” Se um sacerdote não socorre, um Levita
certamente – estudante da Lei, serviçal do Templo o fará, certo? Aqui também
não!
10.33 - “Mas um samaritano”. Dos grandes cismas, entraves,
bloqueios étnicos no Novo Testamento dividem os judeus e os samaritanos.
Relembremos sua origem: Dentre outros desdobramentos históricos, os judeus que
gravitavam na cidade de Samaria se misturaram com povos pagãos, o que era
proibido pela Lei. Os de Jerusalém, pois, nem os consideravam judeus.
Havia um percurso para que os judeus nem mesmo passassem pela
terra dos samaritanos. Essa fissura fez com que os judeus adorassem em
Jerusalém e os Samaritanos no Monte Gerizin, pano de fundo do diálogo entre
Jesus e a Samaritana (Jo 4).
Voltemos à história em tela. Na cabeça de um judeu, menos ainda
de um Doutor da Lei, um Samaritano seria incapaz de um ato de generosidade...
“Mas...” Vem um Samaritano! A conjunção - mas, contudo, entretanto... - é o
contraponto. Das pessoas que os judeus listam como as incapazes,
desqualificadas... Inda mais um Mestre da Lei, faz aquilo naturalmente espera
que um judeu, Levita ou Sacerdote fariam, confirmando a declaração formal do
amor a Deus e ao próximo como a si mesmo...
O Samaritano, tão ocupado quanto os omissos (“ia de viagem”),
aproximou-se e “movido de íntima compaixão”.
Diz-se que “tarefa de todos, não é de ninguém.” Quando se trata
de aconselhamento é isso mesmo. Ninguém discorda que todos devam aconselhar!
Ninguém discorda que, ante uma pessoa ou família agredida, assaltada pelos
dilemas, crises e circunstâncias da vida seja na pista de Jerusalém a Jericó ou
qualquer esquina, todos devam socorrer, cuidar, aconselhar. Mas por diversas
razões ministros ou oficiais da igreja passam de largo.
Diversas tarefas na engrenagem da igreja local, cotidiano sem
prioridades fixadas, tempo desperdiçados, temor em se envolver com demandas
que, sabemos, nada fáceis... E assim muitos ignoram os abatidos no caminho!
“Mover-se” é emoção em movimento. É o que move o Samaritano da
história. É o que deve mover os vocacionados ao aconselhamento. “Vendo-o...” Se
nossos olhos não estiver nas pessoas, nas cenas... “Íntima compaixão” – como
ensinar o pathos? Se cenas de pessoas sob amputação, abandono e quase-mortos
não despertar misericórdia (miséria + kardia), o que será capaz?
O Samaritano dá o que há de mais precioso em nossas vidas: Seu
tempo. Depois, seus recursos. 10.34 – “E, (1) aproximando-se, (2) atou-lhe as
feridas, (3) deitando-lhes azeite e vinho; e, (4) pondo-o sobre o seu animal,
(5) levou-o para uma estalagem, e cuidou dele;
10.35 – “E, (6) partindo no outro dia, (7) tirou dois dinheiros,
e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; (8) e tudo o que de mais
gastares eu te pagarei quando voltar.”
Alguns apontamentos são necessários: Há uma distância muito
grande entre declarações de fé, como a do Doutor da Lei, e a prática do
mandamento.
Muitas vezes a cena, a paisagem estão repletos de pessoas sob
crises extremas sob a omissão dos oficiais – sacerdotes, levitas...
Reconheçamos: É mais cômodo para nós ignorar pessoas assaltadas
por crises; demandas exigirão tempo e dedicação de nossos bens. Quem está
interessado???
Pensemos em por quais razões os oficiais da história se
omitiram? A agenda que priorizava mais rituais que pessoas? A urgência do
compromisso assumido? O receio de, eles mesmos serem vítimas de assaltantes?
Certamente pesou na indiferença ou individualismo o fato de a Lei proibir um
judeu de não tocar num cadáver, o que o tornaria impuro. O fato de a vítima
estar “quase morta” apenas denuncia que não olhar ou se aproximar (v.33).
No contexto imediato, aquela história chocou o Profissional da
Religião: Como pode um desprezado pelos judeus, uma sub-raça, fazer melhor que
um judeu, até mesmo que seus oficiais??? Como pode um leigo fazer melhor que um
“Técnico” da religião??? Como um judeu, a vítima, ser alvo da caridade de um
impuro, secundário???
O Bom conselheiro socorre, investe tempo e bens. O Conselheiro
vai de viagem, não é um desocupado: O outro é sua agenda! Se não pode estar
presente, pois, fornece recursos e apoios para uma terapia de recuperação
(hospital).
O episódio mostra que nada é por acaso. E que devemos estar sempre com óleo e
azeite. Um conselheiro nunca sabe o que o espera entre Jerusalém e Jericó. As
oportunidades são as mais surpreendentes!
10.36,37 - "Qual destes três você acha que foi o próximo do
homem que caiu nas mãos dos assaltantes? Aquele que teve misericórdia
dele", respondeu o perito na lei. O Doutor foi incapaz de pronunciar,
nomear o Samaritano! Dureza, não?! A profundidade da lição encerrada na
história é que o outro é meu próximo, por mais estranho, diferente, militante
de ideologias outras,... Por mais oposto, estrangeiro, imigrante,... Por mais
de esquerda, mais sectário,... Não importando sua origem, cor, raça, sexo,
preferência!
Jesus disse ao Mestre da Lei e nos diz hoje: “Vá e faça o
mesmo!” O conselheiro afirma sua confissão religiosa, sua devoção a Deus mais
com presença e socorro prático de amor ao próximo – quem quer que seja o outro,
que com suas palavras e expressões do seu Credo! Sejamos, pois, como o
Samaritano, movidos de íntima compaixão, vendo e se aproximando do outro sob escombros
das crises da vida. By Geraldinho Farias
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