terça-feira, 27 de março de 2018

ACONSELHAMENTO À LUZ DE "O BOM SAMARITANO"

Eugène Delacroix (1798 – 1863), 
O Bom Samaritano

(Apontamentos para a prática de Aconselhamento baseado na Parábola do Bom Samaritano) Contexto. Doutor da Lei pergunta sobre o que fazer para herdar a vida eterna. O Mestre Jesus responde com nova pergunta. Ao que o Religioso recita o mandamento sobre a totalidade das relações em amor que ligam o próximo e a si mesmo ao Sagrado -  O SHeMa, o coração da Lei: Dt 6.4ss. O episódio faz com que Jesus implique a declaração, verborreia ou confissão à prática. Não basta declarar, é preciso praticar o amor a Deus que se reflete, necessariamente no outro e em si mesmo ou, que é denunciado na forma como lidamos ou amamos o outro.

O Doutor cheio de empáfia – a presunção de que já estaria apto, afinal, conhecedor da Lei de Deus (também do Deus da Lei?) e de si mesmo, achava-se qualificado, o que é bem diferente de aplicar, vivenciar e expressar o amor nas relações com o outro, o seu “próximo”.

Eis a parábola elucidativa desta ligação: A história popular de O Bom Samaritano, Lc 10.25ss, único registro no Novo Testamento.

10.30 – “Descia um homem...”. Certo homem. Um homem qualquer. Transitava. Quem é? Qual sua origem? Como foi parar lá? Por quais razões passava por lá? O que defendia? 

“...De Jerusalém para Jericó”. É nas andanças – aqui, 28 km aproximadamente - da vida que as circunstâncias nos impõem as mais diversas privações, amputações, dores e assaltos: “(1) Caiu nas mãos dos salteadores, os quais o (2) despojaram, e (3) espancando-o, (4) se retiraram, (5) deixando-o meio morto”.

10.31 – “E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo.” Certo sacerdote, o representante da Lei. Todos podem se omitir, mas... Um religioso não... Passou à distância!

10.32 - “E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo.” Se um sacerdote não socorre, um Levita certamente – estudante da Lei, serviçal do Templo o fará, certo? Aqui também não!

10.33 - “Mas um samaritano”. Dos grandes cismas, entraves, bloqueios étnicos no Novo Testamento dividem os judeus e os samaritanos. Relembremos sua origem: Dentre outros desdobramentos históricos, os judeus que gravitavam na cidade de Samaria se misturaram com povos pagãos, o que era proibido pela Lei. Os de Jerusalém, pois, nem os consideravam judeus.

Havia um percurso para que os judeus nem mesmo passassem pela terra dos samaritanos. Essa fissura fez com que os judeus adorassem em Jerusalém e os Samaritanos no Monte Gerizin, pano de fundo do diálogo entre Jesus e a Samaritana (Jo 4).

Voltemos à história em tela. Na cabeça de um judeu, menos ainda de um Doutor da Lei, um Samaritano seria incapaz de um ato de generosidade... “Mas...” Vem um Samaritano! A conjunção - mas, contudo, entretanto... - é o contraponto. Das pessoas que os judeus listam como as incapazes, desqualificadas... Inda mais um Mestre da Lei, faz aquilo naturalmente espera que um judeu, Levita ou Sacerdote fariam, confirmando a declaração formal do amor a Deus e ao próximo como a si mesmo...

O Samaritano, tão ocupado quanto os omissos (“ia de viagem”), aproximou-se e “movido de íntima compaixão”.

Diz-se que “tarefa de todos, não é de ninguém.” Quando se trata de aconselhamento é isso mesmo. Ninguém discorda que todos devam aconselhar! Ninguém discorda que, ante uma pessoa ou família agredida, assaltada pelos dilemas, crises e circunstâncias da vida seja na pista de Jerusalém a Jericó ou qualquer esquina, todos devam socorrer, cuidar, aconselhar. Mas por diversas razões ministros ou oficiais da igreja passam de largo.

Diversas tarefas na engrenagem da igreja local, cotidiano sem prioridades fixadas, tempo desperdiçados, temor em se envolver com demandas que, sabemos, nada fáceis... E assim muitos ignoram os abatidos no caminho!

“Mover-se” é emoção em movimento. É o que move o Samaritano da história. É o que deve mover os vocacionados ao aconselhamento. “Vendo-o...” Se nossos olhos não estiver nas pessoas, nas cenas... “Íntima compaixão” – como ensinar o pathos? Se cenas de pessoas sob amputação, abandono e quase-mortos não despertar misericórdia (miséria + kardia), o que será capaz?

O Samaritano dá o que há de mais precioso em nossas vidas: Seu tempo. Depois, seus recursos. 10.34 – “E, (1) aproximando-se, (2) atou-lhe as feridas, (3) deitando-lhes azeite e vinho; e, (4) pondo-o sobre o seu animal, (5) levou-o para uma estalagem, e cuidou dele;

10.35 – “E, (6) partindo no outro dia, (7) tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; (8) e tudo o que de mais gastares eu te pagarei quando voltar.”

Alguns apontamentos são necessários: Há uma distância muito grande entre declarações de fé, como a do Doutor da Lei, e a prática do mandamento.

Muitas vezes a cena, a paisagem estão repletos de pessoas sob crises extremas sob a omissão dos oficiais – sacerdotes, levitas...

Reconheçamos: É mais cômodo para nós ignorar pessoas assaltadas por crises; demandas exigirão tempo e dedicação de nossos bens. Quem está interessado???

Pensemos em por quais razões os oficiais da história se omitiram? A agenda que priorizava mais rituais que pessoas? A urgência do compromisso assumido? O receio de, eles mesmos serem vítimas de assaltantes? Certamente pesou na indiferença ou individualismo o fato de a Lei proibir um judeu de não tocar num cadáver, o que o tornaria impuro. O fato de a vítima estar “quase morta” apenas denuncia que não olhar ou se aproximar (v.33).

No contexto imediato, aquela história chocou o Profissional da Religião: Como pode um desprezado pelos judeus, uma sub-raça, fazer melhor que um judeu, até mesmo que seus oficiais??? Como pode um leigo fazer melhor que um “Técnico” da religião??? Como um judeu, a vítima, ser alvo da caridade de um impuro, secundário???

O Bom conselheiro socorre, investe tempo e bens. O Conselheiro vai de viagem, não é um desocupado: O outro é sua agenda! Se não pode estar presente, pois, fornece recursos e apoios para uma terapia de recuperação (hospital).

O episódio mostra que nada é por acaso. E que devemos estar sempre com óleo e azeite. Um conselheiro nunca sabe o que o espera entre Jerusalém e Jericó. As oportunidades são as mais surpreendentes!

10.36,37 - "Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? Aquele que teve misericórdia dele", respondeu o perito na lei. O Doutor foi incapaz de pronunciar, nomear o Samaritano! Dureza, não?! A profundidade da lição encerrada na história é que o outro é meu próximo, por mais estranho, diferente, militante de ideologias outras,... Por mais oposto, estrangeiro, imigrante,... Por mais de esquerda, mais sectário,... Não importando sua origem, cor, raça, sexo, preferência!

Jesus disse ao Mestre da Lei e nos diz hoje: “Vá e faça o mesmo!” O conselheiro afirma sua confissão religiosa, sua devoção a Deus mais com presença e socorro prático de amor ao próximo – quem quer que seja o outro, que com suas palavras e expressões do seu Credo! Sejamos, pois, como o Samaritano, movidos de íntima compaixão, vendo e se aproximando do outro sob escombros das crises da vida. By Geraldinho Farias

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A SANTA QUE O MUNDO TENTOU APAGAR

Maria da cidade de Magdala - uma vila de pescadores do Mar da Galileia, na Judeia, a popular Maria Madalena, ou, apenas Madalena, é das pers...